A Incorporação Imobiliária e o ISS – Imposto sobre Serviços

Artigo do Dr. Paulo Attie publicado nas revistas eletrônicas  “Tributário.net”  no dia 14/03/2006, “Fiscosoft” no dia 19/05/2006, e “Trinolex” no dia 29/05/06.

Breve Introdução

Neste estudo, abordaremos a atividade de incorporação imobiliária, sua natureza jurídica e seus desdobramentos, após o que, a confrontaremos às disposições normativas que regem o Imposto Sobre Serviço, em nível nacional, para identificarmos quando ocorrerá a incidência deste imposto e quando tal não será passível de incidir.

A Constituição Federal, ao estabelecer as competências tributárias, dividindo-a entre os entes políticos da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), determinou, em seu artigo 156, inciso III, que cabe aos Municípios instituir imposto sobre os serviços de qualquer natureza, exceto os de transporte intermunicipal e interestadual, e os de comunicação, que serão tributados pelo ICMS, de competência dos Estados.

Por sua vez, a Lei Complementar no 116/03 definiu as normas gerais acerca do ISS, estabelecendo as hipóteses de incidência do referido imposto, determinando, desta forma, quais os serviços devem sofrer sua tributação.

Assim, sem maiores delongas, passamos a confrontar o instituto da incorporação às normas de incidência do ISS.

Da Incorporação Imobiliária

A incorporação imobiliária é regida, no sistema jurídico brasileiro, pela Lei no 4.591/64, que, em seu artigo 28, dispõe tratar-se de atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.

Este mesmo diploma legal restringe a atividade de incorporação àqueles que, embora não efetuando a construção, (i) compromissem ou efetivem a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial; (ii) meramente aceitem propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas.

Estende-se a condição de incorporador aos proprietários e titulares de direitos aquisitivos que contratem a construção de edifícios, que se destinem à constituição em condomínio, sempre que iniciarem as alienações antes da conclusão das obras.

Pois bem, a atividade de incorporação de imóveis, por si só, muito embora esteja prevista e regulamentada pelo Direito Positivo há muitos anos (a lei em comento é de 1964), não se encontra, especificamente como tal, expressamente prevista na Lista de Serviços Anexa à Lei Complementar no 116/03, nem tampouco se encontrava na Lista Anexa ao Decreto-Lei nº 406/68.

Desta forma, mister distinguirmos as atividades econômicas possíveis de serem realizadas – desdobramentos -, para num passo seguinte, tratarmos da incidência ou não do ISS sobre tais atividades:

I) incorporação somada à construção em imóvel alheio:

No caso das incorporadoras que também exercem a construção do imóvel, o ISS incidirá, não em razão da atividade de incorporação de per si considerada, mas sim, em razão e por força da prestação de serviços de construção civil (item 7.02 da Lista Anexa à LC nº 116/03).

Neste sentido, já decidiu o E. STJ, confira:

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. INCORPORAÇÃO DE IMÓVEIS. LEI N. 4.591/64. DECRETO-LEI N. 406/68. DECRETO-LEI NUM. 834/69.

I. Se o incorporador assume as funções de construtor, por esta atividade, seja realizada por forma de empreitada ou de administração, está obrigado ao tributo.”(1)

II) incorporação somada à construção em imóvel próprio, cuja venda ocorrerá somente após o habite-se:

Nesta situação não haverá incidência do ISS, visto que esse imposto tem como critério material a prestação de serviços e, como sabemos, não pode haver prestação de serviços para si próprio. Em outras palavras, o Direito não admite o “contrato consigo mesmo”.

É justamente com base nesta argumentação que se defende, de forma unânime na doutrina atual, que a prestação de serviço sempre deve ser um esforço próprio em favor de terceiros. O direito rege relações interpessoais, ou seja, exige um mínimo de duas pessoas, para surgir uma relação jurídica.

Este entendimento também encontra respaldo em decisões do STJ, confira, ilustrativamente, in verbis:

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇO.

I – Comprovado que a parte promovia as construções em terrenos de sua propriedade pelo sistema de incorporação, na qualidade de proprietária-incorporadora, não há falar-se em prestação de serviço, pois impossível o contribuinte prestar a si próprio o serviço desvanecendo, destarte, o fato imponível do ISS.

II – Precedentes. III – Recurso Desprovido”.(2)

III) incorporação com construção por terceiro:

Hipótese bastante comum, na qual o incorporador não se confunde com o construtor.
Nestes casos, via de regra, ou (i) a própria incorporadora contrata uma outra empresa para a construção; ou (ii) ambos são contratados pelo dono do imóvel, cada um para exercer sua expertise.

Na primeira hipótese, considerando-se esta relação jurídica (incorporador x construtor contratado) incidirá ISS apenas quanto aos serviços de construção prestados ao incorporador.

É dizer, apenas o construtor será contribuinte do ISS, nos termos como tratado no item I, acima. Por outro lado, quanto aos serviços próprios de incorporação não deverá haver incidência de ISS, nos termos como tratado no item II, acima.

Já na segunda hipótese, de incorporador e construtor serem contratados por terceiro (dono do imóvel), poderá haver incidência do ISS em relação a ambos, sobre cada um dos serviços prestados. Explicamos.

Para o construtor, incidirá o ISS sobre os serviços de construção prestados ao dono do imóvel.

Por outro lado, para o incorporador, poderá incidir o ISS relativamente aos serviços de intermediação imobiliária prestados ao dono do imóvel. Ou seja, em que pese não haver expressa previsão para a incidência do ISS em razão do serviço de incorporação, de per si considerado, a nosso ver, havendo a atividade de incorporação para terceiro (dono/possuidor do imóvel) e acaso este mesmo incorporador execute as atividades de agenciamento, corretagem ou intermediação das unidades autônomas, em razão destas atividades, que se consubstanciam materialmente na intermediação de negócios, portanto em relação a tais receitas, é que haverá incidência do ISS.

Vejamos o que dispõe o item 10.05 da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/03:

“Agenciamento, corretagem ou intermediação de bens móveis ou imóveis,não abrangidos em outros itens e subitens, inclusive aqueles realizados no âmbito das Bolsas de Mercadorias e Futuros, por quaisquer meios.”

Isto porque tais atividades, independentemente da denominação com que forem prestadas, se prestadas de fato, subsumem-se à tributação pelo ISS.

Nunca é demais lembrar que em direito tributário, se na substância, na essência, efetivamente ocorrer o núcleo da hipótese de incidência do tributo, in casu, a prestação de determinados serviços (intermediação de bens imóveis), tal atividade, independentemente da denominação adotada para qualificá-la pelo contribuinte, subsumirá à incidência do imposto.

IV) incorporação com construção por terceiro, desvencilhada das vendas e intermediações;

No caso de além do incorporador e do construtor, haver também outra pessoa (física ou jurídica) contratada pelo dono do imóvel para os serviços de agenciamento, corretagem e intermediação, então poderemos afirmar que as atividades intrínsecas do incorporador e, via de conseqüência, as receitas delas provenientes não se sujeitarão ao ISS.

Tal assertiva fundamenta-se no princípio da taxatividade da lista de serviços sobre os quais incide referido imposto, aliada à ausência de previsão da atividade de incorporação aqui denominada incorporação pura de imóveis.

Tal como já decidido inclusive pelo STF (Recurso Extraordinários nº 87.931; 90.183; e 91737), o rol de serviços contemplados na lista não é exemplificativo, mas sim taxativo, sendo que, não estando expressamente prevista a atividade na lista de serviços, esta não sujeitar-se-á ao ISS, confira:

Para elucidar ainda mais a questão, agora, especificamente quanto à atividade de incorporação imobiliária, cumpre trazer à baila trechos do Voto do Relator Min. Antônio de Pádua Ribeiro, proferido por ocasião do julgamento do RESP nº 41383, citado no início deste artigo, confira:

“A questão posta é exclusivamente de direito e consiste em se saber se nos casos referidos, em que a autora foi incorporadora há ou não a incidência do ISS.

A taxatividade do rol de serviços tributáveis é indiscutível. (…)

Na incorporação imobiliária tem definição legal. Ex vi do parágrafo único do art. 28 da Lei 4.591, verifica-se ser a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.

A figura do incorporador também está definida na lei. Trata-se de pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que, embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno, objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob o regime condominial, ou que meramente aceita propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas.

Verifica-se assim, que o incorporador não tem necessariamente a atividade de construção.(…)”

No caso vertente a autora assumiu a dupla função: de incorporador e a de construtor. Assim ela incorpora e constrói.

Ao construir, pode fazê-lo sob a forma de empreitada ou administração.

Neste ponto, com inteira razão os venerandos acórdãos trazidos a colação pelo Município. Assim repetimos texto da lavra do Exm. Des. Namilton Moraes e Barros:

“Se os construtores incorporadores fazem mais acessões ou acrescentam benfeitorias, estão os mesmos prestando serviços, pois a tanto equivale o construir por administração ou sob empreitada, a preço fixo ou reajustável.”

– Continuando: “Além de alienar coisa já existente a fração ideal e a eventual benfeitoria, assume o incorporador/construtor a obrigação de fazer a de construir, ou superintender a construção, e isso é, todas as luzes, prestação de serviço, o da sua especialidade e credenciamento oficial. Essa atividade é a tipicidade do ISS.”

O legislador tributário não foi omisso, não deixou de tributar voluntariamente as construções por incorporação. Simplesmente porque a incorporação, em si, não é atividade de construção, podendo todavia o incorporador assumir aquela atividade voluntariamente, ou mesmo as responsabilidades dos ilícitos decorrentes daquela atividade, ante a solidariedade legal estabelecida entre ele, incorporador e o construtor.

Então, a evidência, a atividade de incorporação não é fato gerador de ISS, todavia a construção o é quando o incorporador assume as funções de construtor, por esta atividade, quer seja ela realizada sob a forma de empreitada ou de administração, está ele obrigado ao tributo.” (g.n)

Desta feita, quando a atividade de incorporação de imóveis for exercida de forma apartada das demais atividades tributáveis, ela não poderá ser “colhida” pelo ISS. Todavia, se prestada conjuntamente com as demais atividades, as demais sofrerão a referida tributação.

Por fim, resta àqueles contribuintes que, auferindo receitas da atividade aqui denominada de incorporação pura e não desejando as oferecer à tributação pelo ISS, propor medida judicial para objetivando elidir referida cobrança por parte dos Municípios.

Assim, com a exposição destes argumentos, esperamos ter contribuído para a elucidação acerca da incidência do ISS quanto à atividade de incorporação imobiliária e seus desdobramentos.

Notas
(1) STJ, Resp 41383, 2ª Turma, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 19/12/94
(2) STJ Resp 1.625/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Geraldo Sobral, DJ 25.03.1991.