Certidão Positiva com Efeitos de Negativa – Débitos à espera de execução fiscal

Artigo do Dr. Paulo Attie publicado na Revista Dialética de Direito Tributário – RDDT nº 106, de julho de 2004

I. Introdução

Atualmente a prova de quitação de tributos para com as diversas Fazendas Públicas faz-se imprescindível para a realização de diversas operações empresariais. Como se sabe, tal comprovação é realizada mediante a apresentação da Certidão Negativa de Débitos ou da Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa, expedida por cada um dos respectivos órgãos arrecadadores a que o contribuinte está sujeito.

A apresentação das aludidas certidões mostra-se indispensável para possibilitar ao contribuinte a participação em processos de licitação, para contratar com o Poder Público, até mesmo nos casos de dispensa e/ou inexigibilidade de licitação, para receber os respectivos pagamentos dos entes públicos, para possibilitar empréstimos financeiros cujos recursos sejam provenientes de verbas públicas, para promover alteração na estrutura societária da empresa, para registrar atos de compra venda e/ou oneração de imóveis nos respectivos cartórios e até mesmo para cadastrar-se como fornecedor junto à diversas outras empresas privadas.

Assim, hodiernamente, é incontestável a imprescindibilidade do contribuinte possuir as referidas Certidões, sob pena de aniquilar sua atividade empresarial.

Reconhece-se, outrossim, a existência de alguns argumentos contrários à exigência de tais certidões para as atividades acima descritas, por tratar-se, em suma, de um instrumento de cobrança indireto, reflexo à relação jurídica tributária. Neste sentido, invoca-se o princípio do livre exercício da atividade econômica, contemplado no artigo 170, da Constituição Federal[i], não sendo este enfoque, todavia, objeto do presente trabalho.

Por fim, destina-se o presente estudo a investigar, sob o prisma da ciência do direito, a situação daqueles contribuintes que têm contra si negada a Expedição da Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa, em razão da existência de débitos já exigíveis, mas que se encontram à espera da correlata cobrança judicial.

II. Certidão Negativa de Débitos e Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa – Distinção.

Reza o artigo 205, do Código Tributário Nacional:

“Art. 205 – A lei poderá exigir que a prova de quitação de determinado tributoquando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade que indique o período a que se refere o pedido.” (g.n)

Dispõe, por sua vez, o artigo 206:

“Art. 206 – Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”

O primeiro critério que salta aos olhos do hermeneuta é justamente quanto àexistência ou não de crédito tributário. Repare, a Certidão Negativa de Débitos, como o próprio nome diz, deve ser expedida quando não existam débitos de determinado contribuinte.

Por outro lado, a Certidão Positiva com Efeitos de Negativa, deve se expedida quando, a par de existir débitos em face de determinado contribuinte, eles ainda são vincendos, ou estão garantidos por penhora em processo de execução, ou ainda, estão com a exigibilidade suspensa.

Note-se então que havendo débito existente, ou seja, havendo lançamento tributário, não há mais que se falar em Certidão Negativa de Débitos, mas tão somente, em Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa, logicamente, se estiver presente, ao menos uma, das condições permissivas contidas no artigo 206, do Código Tributário Nacional, ou, como será proposto no item IV.2 do presente trabalho, se a suposta dívida for previamente garantida em juízo.

III. Da Existência do Débito Tributário[ii]

Ocorrido o evento descrito na hipótese tributária de uma norma, o seu conseqüente deve ser aplicado, fazendo surgir, desta forma, a obrigação tributária, a qual, como se sabe, uma vez convertida em linguagem competente dá origem ao crédito tributário.

Mais precisamente, para se dizer que o crédito tributário já existe, mister ter havido o seu lançamento, seja ele de ofício, ou o chamado “lançamento por homologação”, ou ainda, mediante lançamento por declaração.

Ou seja, o crédito tributário passa a existir após a sua devida constituição, via lançamento de ofício, ou lançamento por homologação. Entretanto, surge a seguinte indagação: basta que o crédito tributário exista, ou seja, basta que esteja definitivamente constituído via lançamento, para que se torne exigível? Espera-se, no decorrer do tópico seguinte, apresentar argumentos suficientes a demonstrar que a resposta à questão acima deve ser negativa.

IV. Da exigibilidade do Crédito Tributário. Da Inscrição em Dívida Ativa

IV.1 – Débito constituído e ainda não inscrito em Dívida Ativa.

Não raramente, assiste-se ao embaraço na expedição de Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa em razão da existência de débitos meramente constituídos, via lançamento de ofício ou por homologação em face do contribuinte.

No entanto, tal entendimento não pode prevalecer em face do direito positivo. Como será demonstrado a seguir, o débito meramente lançado, existente, não goza da presunção de certeza e liquidez e portanto, não goza do atributo da exigibilidade.

Com efeito, não é possível à Fazenda Pública, com base apenas e tão somente em débito lançado, exigi-lo mediante a competente Execução Fiscal. É mister que o débito esteja devidamente inscrito em dívida ativa.

Ora, o direito positivo brasileiro atribui ao ato administrativo de inscrição em dívida ativa o momento no qual o órgão arrecadador aufere a certeza e liquidez do débito tributário, aparelhando, com a certidão desta inscrição, a futura cobrança judicial.

Desta forma, enquanto não estiverem devidamente inscritos os débitos tributários, não se pode negar ao contribuinte a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa, porquanto, somente com a inscrição em dívida ativa, segundo o direito positivo brasileiro, o débito é considerado certo, líquido e, portanto, exigível.

Tal assertiva decorre claramente de interpretação a contrario sensu, do enunciado no artigo 204, do Código Tributário Nacional[iii] e 3º, da Lei nº 6.830/80[iv].

Note-se, à evidência, que somente após ultimado o ato administrativo de inscrição em dívida ativa, opera-se, em favor da Fazenda Pública, a certeza e liquidez do crédito, capaz de emprestar-lhe exigibilidade. O direito positivo pátrio, conforme se vê, exige que o crédito tributário para ser exigido pela Fazenda Pública deve estar devidamente inscrito em dívida ativa.

Deveras, uma vez encerrado o processo administrativo, tendo sido confirmada a exigibilidade do débito fiscal, o processo será encaminhado à Procuradoria do respectivo Órgão, o qual, deverá proceder à confirmação dos requisitos de certeza e liquidez do débito, para, só então, inscrevê-lo em dívida ativa, tal como prescreve o artigo 2º, § 3º, da Lei nº 6.830/80[v] e o artigo 39, da Lei nº 4.320/64[vi].

Vale dizer, ou o débito encontra-se inscrito em dívida ativa, formalmente lavrado no competente termo de inscrição e goza da presunção de certeza e liquidez, ganhando exigibilidade, surtindo daí os efeitos suficientes para impedir a expedição da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa, ou, diferentemente, encontra-se em estágio intermediário, que não permite pretender-se atribuir efeitos jurídicos decorrentes da inscrição em dívida ativa a um débito ainda não inscrito.

Não existe, frise-se, previsão legal para a malfadada fase de pré-inscrição em dívida ativa, criada pelo INSS, como fator impeditivo da expedição da certidão. Esse instituto, em última análise, configura flagrante arbitrariedade e violação ao princípio da legalidade, estampado no artigo 5º, II, da Constituição Federal[vii]. Assim, carecem de razão os entes tributantes, ao negarem a expedição da Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa, em face de débitos apenas existentes, mas ainda não inscritos em dívida ativa, eis que ainda não são exigíveis.
Admitir que o contribuinte não tenha direito à Certidão Positiva com Efeitos de Negativa desde o fim do processo administrativo tributário, nos casos em que este o fora instaurado, significa desconsiderar por completo o direito positivo que sinaliza claramente a obrigatoriedade da inscrição em dívida ativa o débito torna-se efetivamente exigível.

Neste sentido parece ter havido mais um desalinho do legislador, ao contemplar no artigo 151, III, do Código Tributário Nacional, como causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário a hipótese de reclamações e recursos administrativos. Isto porquê, conforme estatui o próprio direito positivo, a exigibilidade nasce apenas e tão somente, quando o débito se torna certo, ou seja, após devidamente inscrito em dívida ativa. Não parece coreto então atribuir a suspensão da exigibilidade à fase de contencioso administrativo tributário, porquanto, nesta fase o débito sequer fora confirmado, tratando-se, como se sabe, de procedimento anterior ao próprio nascimento da exigibilidade do crédito tributário.

Todavia, como é sabido o direito positivo tem suas falhas, justamente por resultar da atividade legislativa, atividade esta emanada da opinião e convicção de diversos parlamentares, que não raras vezes, são totalmente divergentes. Justamente em razão destas aparentes anomalias é que o intérprete, balizando-se pela Ciência do Direito deve apurá-las, decantá-las, para ao fim, fazer surgir o direito límpido e ríspido.

Tal raciocínio é respaldado por PAULO DE BARROS CARVALHO, quando comenta a impropriedade do Código Tributário Nacional ao atribuir, como termo a quo, do prazo prescricional, a data do lançamento ou da sua confirmação em processo administrativo, acaso instaurado, tecendo critica cristalina no sentido de que, naquele momento, não tem a Fazenda Pública, condições de proceder a efetiva cobrança judicial do débito, in verbis:

“Não é fácil divisar, desde logo, que não se pode falar em curso da prescrição enquanto não se verificar a inércia do titular da ação. Todavia, o termo inicial do prazo, no Código Tributário, foi estipulado tendo em conta o momento em que o sujeito passivo é notificado do lançamento. Como aceitar que possa ter começado a fluir o lapso temporal se, naquele exato momento, e ao menos durante o período firmado no ato de lançamento, a Fazenda ainda não dispunha do meio próprio para ter acesso ao Judiciário, visando à defesa de seus direitos violados? O desalinho entre os pressupostos do instituto e o preceito do Código é indisfarçável. Não se preocupou o legislador em saber se havia possibilidade de exercício da ação judicial ou se o titular do direito se manteve inerte. Foi logo estabelecendo prazo que tem como baliza inicial um instante que não coincide com aquele em que nasce, para o credor, o direito de invocar a prestação jurisdicional do Estado, para fazer valer suas prerrogativas. Surpreende-se, neste ponto, profunda divergência entre a lógica do fenômeno jurídico e a lógica do fraseado legal. Com que ficamos?
(…)
A solução harmonizadora está em deslocar o termo inicial do prazo de prescrição para o derradeiro momento do período de exigibilidade administrativa, quando o Poder Público adquire condições de diligenciar acerca do seu direito de ação. Ajusta-se assim a regra jurídica à lógica do sistema.”[viii]   (g.n)

Com razão o ilustre Catedrático, tendo em vista que a exigibilidade do crédito tributário surge somente após a sua inscrição em dívida ativa, não sendo correto, portanto, contar-se o prazo prescricional antes de ocorrido este ato, ou seja, em momento no qual não existe ainda para a Fazenda o direito de proceder à cobrança judicial do débito, a qual, depende, como se viu, da inscrição em dívida ativa, confirmando-se, destarte, a tese ora defendida.

Todavia, em razão do entendimento jurisprudencial majoritário no sentido de que o débito meramente lançado obsta a expedição de certidão positiva de débitos, colocando numa mesma vala, os débitos não inscritos com os débitos inscritos em dívida ativa, ou seja, contrário portanto à tese ora levantada, por uma questão meramente pragmática, deverá o contribuinte, acaso se encontre na situação ora estudada, proceder na forma descrita no tópico seguinte (4.2), a fim de ter expedida em seu favor a aludida Certidão.

4.2 – Débito Inscrito em Dívida Ativa

Uma vez devidamente inscrito em dívida ativa, com o respectivo termo de inscrição lavrado, faz-se presente o atributo da exigibilidade do crédito tributário, de forma que a Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa só poderá ser expedida acaso presente seus requisitos ordinários, expressos no artigo 206, do Código Tributário Nacional, ou, como será proposto no presente, acaso contemplada a sua finalidade mediante a efetiva garantia do débito, ainda que anteriormente à apresentação da penhora em Execução Fiscal.

A hipótese a ser proposta, garantia do débito através de caução real a ser oferecida nos autos de ação cautelar, tem por finalidade assegurar, antecipadamente, os mesmos efeitos surtidos em decorrência da penhora efetivada no processo executivo.

Note-se que o Contribuinte ao oferecer caução real, não pretende suspender a exigibilidade do crédito tributário, até porque, tal hipótese não consta do rol exaustivo do citado artigo 151, do Código Tributário Nacional.

A pretensão ao oferecer a caução real é garantir o débito, para, assim, obter Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa. Caso se tratasse de hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito, o fisco ficaria impedido de proceder à mencionada cobrança.

Pois bem, a hipótese ordinariamente prevista no artigo 206, do Código Tributário Nacional que mais se aproxima do ora proposto é a existência de crédito em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora.

Verifica-se, pois, que a letra fria do dispositivo aparenta trazer ao sistema flagrante lacuna, eis que o contribuinte se encontrará encurralado pela ausência de previsão expressa que regule sua situação. Todavia, como asseverado, trata-se de lacuna apenas aparente da lei, do texto isolado, porque a ciência do direito não admite lacunas.

A lei deve ser interpretada de forma a alcançar os valores por ela perseguidos.E como se sabe, in casu, a Certidão Positiva de Débitos não tem outra finalidade senão a de comprovar a solvabilidade dos débitos existentes em face de determinado contribuinte. Assim, em o contribuinte adiantando-se em juízo, mediante instrumento apto para tanto, qual seja, ação cautelar com oferecimento de caução real e, garantindo o débito tributário desde já, garantia esta que se converterá em penhora, nos autos da Execução Fiscal que o Fisco deverá propor, não lhe deve ser negada a expedição da referida certidão.

Ressalte-se que a negativa na expedição da Certidão em tela para aquele contribuinte que, por qualquer infelicidade não teve contra si ajuizada a Execução Fiscal configura inegável tratamento anti-isonômico. Ou seja, não admitir que o contribuinte possa desfrutar da Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa, mediante a garantia do débito, via caução real, significa distinguir indiscriminadamente o contribuinte que teve contra si ajuizada Execução Fiscal daquele contra o qual ainda não foi ajuizada tal medida.

Sobre o tema, vale transcrever o entendimento consignado por EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM:

“Em suma: o contribuinte inadimplente, com dívida inscrita e ocupando o pólo passivo em processo de execução fiscal pode obter uma certidão positiva com efeitos negativos, desde que tenha oferecido bens à penhora. Por outro lado, contudo, o contribuinte que não tenha sequer dívida, por exemplo, mas querendo discutir a cobrança de um determinado tributo, na condição de autor, caso o faça sem depositar o valor questionado em dinheiro, ficará impossibilitado de obter a referida certidão!
(…)
Por isto, entendo como inconcebível a circunstância de o contribuinte em débito ficar na dependência do ajuizamento da execução fiscal para ter a oportunidade de garantir o juízo e, a partir de então, desfrutar de condições para obter a certidão negativa. Ora, é decididamente inaceitável o contribuinte ter o seu direito restringido em face da desídia da Fazenda Pública. Claro que essa absurdez, tão corrente entre nós, decorre de uma visão literalista do direito e, portanto, primária e incorreta.”[ix]

Outrossim, considerando que, segundo disposto no artigo 174, do Código Tributário Nacional, o prazo prescricional para a cobrança do crédito tributário é de 05 anos, é totalmente irrazoável subordinar a expedição da Certidão, ao efetivo ajuizamento da Execução Fiscal, por parte dos órgãos fazendários. Ou seja, é inimaginável fazer com que o contribuinte que queira discutir o débito via Embargos à Execução, mediante garantia do juízo, tenha que esperar (sem Certidão) por até 05 (cinco) anos.

É princípio basilar de direito não imputar ônus àquele que não deu causa ao evento. E como dispõe o Código de Processo Civil, em seu artigo 126, “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá a analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.”

Pelo direito positivo, os atos de inscrição em Dívida Ativa e cobrança judicial da dívida deveriam ser realizados imediatamente após a confirmação do débito no âmbito do processo administrativo, ou, não havendo impugnação do contribuinte, após esgotado o prazo para tanto. Em se tratando de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, tal procedimento deveria ser realizado logo que percebida pelo Fisco a ausência de recolhimento, ou recolhimento insuficiente.

Todavia, não é legítimo e nem jurídico atribuir a responsabilidade e o ônus desta falha administrativa ao contribuinte, através da negativa da Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa, no período em que o débito não pode ordinariamente, ser garantido, porquanto se encontra à espera de cobrança judicial.

À evidência, no período deflagrado entre a inscrição em dívida ativa e o ajuizamento da Execução Fiscal, não tem o contribuinte outra alternativa senão adiantar-se e, desde já, garantir o débito, através de ação cautelar com oferecimento de caução real, para obter a certidão em apreço.

O entrave em que se encontra a contribuinte, em razão da existência de um débito inscrito, à espera de cobrança judicial, é de pleno conhecimento das autoridades arrecadadoras, não sendo demais se cogitar de um meio ilegal de execução, denominado pela doutrina de “execução indireta”.

Veja-se sobre o tema as assertivas de ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS:

“Cabe aqui no entanto a seguinte indagação: se o fisco retarda a propositura da execução fiscal de um crédito seu, com o evidente propósito de, com isso, coagir o devedor, que necessita da certidão negativa, ao respectivo pagamento? O que pode o sujeito passivo nessas condições fazer no sentido de, pelo menos, obter certidão positiva com efeitos de negativa?(…)
A solução mais moderna para o impasse está na ‘caução antecipatória da penhora’, que o interessado requererá ao Juízo que conhecerá da ação de Execução, por intermédio de medida cautelar (CPC, arts. 826 e 838). Prestada a caução em valor suficiente, que é no fundo, uma reserva de bens ( art. 185, parágrafo único, do Código Tributário), que não poderá ser recusada, tem-se configurada uma das previsões do seu art. 206, qual seja, a penhora de bens por antecipação, garantindo-se, dessa forma, em favor do devedor, a concessão de certidão positiva com efeitos de negativa”.[x] (g.n)

Reconhece-se, que no mais das vezes, este meio arbitrário de cobrança do débito, forçando o seu pagamento ou parcelamento tem eficácia. Todavia, o Poder Judiciário, não deve curvar-se a tal estratégia dos órgãos arrecadadores, arbitrária e contrária ao princípio constitucional da moralidade, que deve reger a Administração Pública.

Por tais razões vem a Jurisprudência pátria se solidificando no sentido de estender o alcance do artigo 206, do Código Tributário Nacional, à hipótese ora proposta, qual seja, em que o Contribuinte antecipando-se à Fazenda Pública, oferece caução real, garantido o débito que ainda não lhe fora cobrado, para que lhe seja concedida a aludida Certidão[xi].

Desta forma, acredita-se ter demonstrado, indubitavelmente, a plausibilidade do direito do contribuinte à expedição da Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa, mediante a garantia do débito, via caução real oferecida em ação cautelar, enquanto a competente execução fiscal não é ajuizada.

5. Da inscrição direta em dívida ativa.

Por fim, em razão da sua importância e da enorme freqüência com que vem ocorrendo, não se pode deixar de comentar a lastimável iniciativa do Fisco ao inscrever alguns débitos diretamente em dívida ativa, sem oportunizar ao contribuinte o indispensável contraditório e ampla defesa, na esfera administrativa.

Como se tem notado, tais inscrições, no mais das vezes, decorrem do “exame” eletrônico das inúmeras declarações a que os contribuintes estão obrigados e das suas supostas inexatidões. Inúmeros são os casos em que o débito encontra-se quitado, porém não reconhecido pelo sistema dos órgãos arrecadadores.

Antes de prosseguir, urge destacar que tal procedimento afronta a própria legislação disciplinadora do ato administrativo de inscrição em dívida ativa, o qual, conforme já bastante noticiado no presente trabalho, deve ser precedido do exame da certeza e liquidez do débito.

Ora, neste ponto, torna-se até mesmo desnecessário ressaltar que o mero apontamento, realizado por sistema de informática, não é suficiente para a certificação da certeza e liquidez do débito tributário, de tal modo que, tal apontamento por si só, jamais poderia ser tido como meio apto para a realização do ato administrativo de inscrição em dívida ativa.

Tal prática tem levado à inversão dos deveres, ou seja, a incumbência de verificar a certeza do débito, originalmente do Fisco (leia-se Procuradoria, através do ato de inscrição), tem sido, de forma ilegal, transferida para o contribuinte, que agora, tem que se incumbir de provar que o débito é indevido.

Para tanto, a Procuradoria da Fazenda Nacional, pasmem, chegou a instituir uma forma de instrumentalizar mais este ônus do contribuinte, qual seja, mediante um procedimento denominado “Envelopamento”, pelo qual o contribuinte que teve débito inscrito em dívida ativa pode apresentar documentos para aquele órgão, comprovando ser ele indevido.

Segundo as normas da Procuradoria da Fazenda Nacional, este requerimento deveria ser analisado em até um ano, o que, de per si, já representa um prazo irrazoável para aquele contribuinte que se encontra sem a certidão.

Deste modo, mais uma vez, para elidir as arbitrariedades do Fisco, o contribuinte se verá obrigado a recorrer ao Poder Judiciário e este, por sua vez, ser verá ainda mais alvejado de infindáveis processos envolvendo questões que poderiam ter sido evitadas, acaso o ato de inscrição em dívida ativa tivesse sido realizado tal como preceitua a lei, mediante conferência da certeza e liquidez do débito.

Não havendo outra saída, tem-se que, ajuizada a medida judicial cabível, via de regra, o contribuinte consegue um provimento judicial (liminar, antecipação de tutela) no qual é deferida uma ordem para que a respectiva Procuradoria emita a certidão positiva com efeitos de negativa, enquanto o mérito do débito é analisado pelo Judiciário.

Nada obstante, vários contribuintes têm vivenciado uma situação bastante peculiar, qual seja, a de que, mesmo de posse da decisão judicial, não conseguir a emissão da referida certidão, em razão das constantes greves que têm ocorrido nos órgãos fazendários, instaurando-se, deste modo, uma situação de ineficácia do ato jurisdicional.

Em casos como tais, deverá o contribuinte pleitear, em sua medida judicial, que na própria liminar ou antecipação de tutela, exarada pelo Poder Judiciário, reste consignado a sua regularidade fiscal, ou seja, que a própria decisão faça às vezes da Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa, sob pena do dogma jurídico segundo o qual, “se para todo direito, corresponde uma ação que o assegura”, restar totalmente aniquilado.