Compensação Tributária – Ilegalidade do Pedido de Habilitação de Crédito – IN nº 517/05

Artigo do Dr. Paulo Attie publicado na revista eletrônica “Tributario.net” no dia 03/03/2005 e na revista eletrônica “Fiscosoft” no dia 20/04/2005

Em 25 de fevereiro do corrente ano, foi publicada a Instrução Normativa nº 517 que aprovou o Programa Pedido Eletrônico de Ressarcimento ou Restituição e Declaração de Compensação, versão 1.6 (PER/DCOMP 1.6).

Dentre outros temas, a Instrução Normativa nº 517/05 define procedimentos para habilitação de créditos reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado.

Ocorre que, com relação às Declarações de Compensação de créditos reconhecidos por decisões judiciais (obviamente com trânsito em julgado) a Instrução Normativa criou a previsão de que somente serão recebidas após prévia habilitação do crédito pela Secretaria da Receita Federal, confira:

“Art. 3º Na hipótese de crédito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado, a Declaração de Compensação, o Pedido Eletrônico de Restituição e o Pedido Eletrônico de Ressarcimento, gerados a partir do Programa PER/DCOMP 1.6, somente serão recepcionados pela SRF após prévia habilitação do crédito pela Delegacia da Receita Federal (DRF), Delegacia da Receita Federal de Administração Tributária (Derat) ou Delegacia Especial de Instituições Financeiras (Deinf) com jurisdição sobre o domicílio tributário do sujeito passivo.
§ 1º A habilitação de que trata o caput será obtida mediante pedido do sujeito passivo, formalizado em processo administrativo instruído com:
I – o formulário Pedido de Habilitação de Crédito Reconhecido por Decisão Judicial Transitada em Julgado, constante do Anexo Único desta Instrução Normativa, devidamente preenchido;
II – a certidão de inteiro teor do processo expedida pela Justiça Federal;
III – a cópia do contrato social ou do estatuto da pessoa jurídica acompanhada, conforme o caso, da última alteração contratual em que houve mudança da administração ou da ata da assembléia que elegeu a diretoria;
IV – a cópia do documento comprobatório da representação legal e do documento de identidade do representante, na hipótese de pedido de habilitação do crédito formulado por representante legal do sujeito passivo; e
V – a procuração conferida por instrumento público ou particular e cópia do documento de identidade do outorgado, na hipótese de pedido de habilitação formulado por mandatário do sujeito passivo.
§ 2º O pedido de habilitação do crédito será deferido pelo titular da DRF, Derat ou Deinf, mediante a confirmação de que:
I – o sujeito passivo figura no pólo ativo da ação;
II – a ação tem por objeto o reconhecimento de crédito relativo a tributo ou contribuição administrados pela SRF;
III – houve reconhecimento do crédito por decisão judicial transitada em julgado; e
IV – houve a homologação pela Justiça Federal da desistência da execução do título judicial ou da renúncia à sua execução, bem assim a assunção de todas as custas do processo de execução, inclusive os honorários advocatícios, no caso de ação de repetição de indébito.
§ 3º Constatada irregularidade ou insuficiência de informações nos documentos a que se referem os incisos I a V do § 1º, o requerente será intimado a regularizar as pendências no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de ciência da intimação.
§ 4º No prazo de 30 (trinta) dias, contado da data da protocolização do pedido ou da regularização de pendências de que trata o § 3º, será proferido despacho decisório sobre o pedido de habilitação do crédito.
§ 5º Será indeferido o pedido de habilitação do crédito nas seguintes hipóteses:
I – não forem atendidos os requisitos constantes nos incisos I a IV do § 2º; ou
II – as pendências a que se refere o § 3º não forem regularizadas no prazo nele previsto.
§ 6º O deferimento do pedido de habilitação do crédito não implica homologação da compensação ou o deferimento do pedido de restituição ou de ressarcimento.
§ 7º A apresentação da Declaração de Compensação, do Pedido Eletrônico de Restituição e do Pedido Eletrônico de Ressarcimento, gerados a partir do Programa PER/DCOMP 1.6, na hipótese prevista no caput, fica condicionada à informação do número do processo administrativo no qual tenha havido o deferimento do pedido de habilitação do crédito.”

Conforme se depreende, o artigo 3º da Instrução Normativa nº 517/05, cuja vigência se iniciou a partir de 25 de fevereiro de 2005, passou a exigir que o contribuinte que pretenda compensar créditos tributários que tenham sido originados de processos judiciais, tenha que submeter à Secretaria da Receita Federal “Pedido de Habilitação de Crédito Reconhecido por Decisão Judicial Transitada em Julgado”, antes mesmo de realizar a compensação.

A norma ora analisada estatui ainda que a declaração de compensação no caso dos créditos reconhecidos por decisão judicial fica condicionada à informação do número do processo administrativo no qual tenha havido o deferimento do pedido de habilitação do crédito.

Entretanto a prévia análise da Secretaria da Receita Federal, com a possibilidade concreta de indeferimento do crédito a ser compensado muda radicalmente o arquétipo legal do instituto da compensação tributária, no que padece do vício da ilegalidade, senão vejamos.

O artigo 74, da Lei nº 9.430/96, com a nova redação dada pela Lei nº 10.637/02, estatui que a compensação de créditos, inclusive os judiciais com trânsito em julgado será efetuada mediante a entrega da declaração, na qual constarão informações sobre os créditos e débitos que se pretende compensar.

Ora, como se vê, a compensação tributária, é realizada com a mera declaração de compensação(1). Tal é a assertiva que se extraí do artigo 74 e seu parágrafo 1º, da Lei nº 9.430/96, in verbis:

“Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.
§ 1o A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados.” (g.n)

Desta feita, a compensação, tal como formulada pelo legislador, se opera, pura e simplesmente, com a entrega da declaração, tanto que a referida declaração extingue o crédito tributário sob condição resolutória.

Isto quer dizer que, uma vez realizada a declaração de compensação pelo contribuinte, a obrigação tributária já se encontra extinta. Tal extinção apenas deixará de ter efeitos, se, no prazo de 5 (cinco) anos, a Secretaria da Receita Federal não homologar a compensação(2), consoante disposto no § 2º do artigo 74, in verbis:

“§ 2o A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação.”

Portanto, não há respaldo legal que justifique a instituição de prévio “pedido de habilitação de crédito reconhecido por decisão judicial”, a ser solicitado pelo contribuinte à Secretaria da Receita Federal.

Extirpando quaisquer dúvidas quanto ao fato de que a compensação se opera pela entrega da Declaração, o § 3º do artigo 74, da Lei nº 9430/96 estabelece, de forma taxativa, as situações em que tal regra geral deixa de ser aplicável. Tratam-se de hipóteses específicas as quais não poderão ser objeto de compensação mediante a entrega da declaração, pelo sujeito passivo, confira:

“§ 3o Além das hipóteses previstas nas leis específicas de cada tributo ou contribuição, não poderão ser objeto de compensação mediante entrega, pelo sujeito passivo, da declaração referida no § 1o:
I – o saldo a restituir apurado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física;
II – os débitos relativos a tributos e contribuições devidos no registro da Declaração de Importação.
III – os débitos relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal que já tenham sido encaminhados à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa da União;
IV – o débito consolidado em qualquer modalidade de parcelamento concedido pela Secretaria da Receita Federal – SRF;
V – o débito que já tenha sido objeto de compensação não homologada, ainda que a compensação se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa; e
VI – o valor objeto de pedido de restituição ou de ressarcimento já indeferido pela autoridade competente da Secretaria da Receita Federal – SRF, ainda que o pedido se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa.”

Portanto, se acaso o Legislador tivesse pretendido atribuir regime jurídico específico para a compensação de créditos reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado, os teria incluído no rol acima, ou então, teria criado previsão legal a eles específica, o que não fez.

E, como enuncia o provérbio jurídico de todos conhecido, “onde o legislador não distinguiu não é lícito ao intérprete o fazê-lo.”

Noutro giro, se a Lei estipula que compete à Secretaria da Receita Federal analisar os créditos que o contribuinte pretenda compensar num prazo de 05 (cinco) anos contados da Declaração, não é lícito que o referido órgão fazendário se auto atribua o direito de proceder a qualquer análise previamente à compensação, e ainda, com a real possibilidade de fulminá-la ab initio, sem oportunizar qualquer recurso ao contribuinte.

O instituto da compensação tributária, tal como traçado pela Lei, determina que a aferição da legitimidade dos créditos e débitos do contribuinte, a ser procedida pelo órgão fazendário, ocorra em momento posterior à sua realização.

Outrossim, como adiantado acima, consoante se depreende da leitura da Instrução Normativa em epígrafe, no caso de indeferimento do malfadado “pedido de habilitação do crédito” não é concedido ao contribuinte qualquer oportunidade de se manifestar, para contrapor-se à decisão da Secretaria da Receita Federal. Nesta situação, questiona-se: (i) ficará o contribuinte sem direito a qualquer recurso na seara administrativa? (ii) assistirá o contribuinte a total ineficácia do longo e penoso processo judicial no qual obteve o reconhecimento dos seus créditos?; e 3 (iii) necessitará o contribuinte de ajuizar outra ação para ver reconhecido o seu direito à compensação, que diga-se, já o fora reconhecido em processo judicial anterior?

Lembre-se que, como não poderia deixar de ser, o arquétipo legal da compensação concede ao contribuinte a possibilidade de apresentar manifestação de inconformidade em face de eventual decisão que não homologou a sua compensação. Assim dispõe o artigo 74, § 9º, in verbis:

“§ 7o Não homologada a compensação, a autoridade administrativa deverá cientificar o sujeito passivo e intimá-lo a efetuar, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da ciência do ato que não a homologou, o pagamento dos débitos indevidamente compensados. (…)
§ 9o É facultado ao sujeito passivo, no prazo referido no § 7o, apresentar manifestação de inconformidade contra a não-homologação da compensação.”

Mas não é só. Partindo-se do pressuposto de que, consoante determina o § 12 do artigo 74 da Lei nº 9.430/96, são consideradas como não declaradas as compensações fundadas em créditos ainda não transitados em julgado, e as conseqüências daí advindas, não há qualquer motivação que justifique a instituição deste prévio pedido a ser promovido pelo contribuinte, isto sem falar na possibilidade de multa de até 150% e imputação criminal.

Como se não bastasse, a compensação constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados. Desta feita, não há qualquer razão que justifique a pretensão da Secretaria da Receita Federal em habilitar ou não, previamente, os créditos reconhecidos por decisões judiciais transitadas em julgado a serem utilizados na compensação.

Por fim, em que pese o artigo 74, § 14º da Lei nº 9.430/96 aduzir que a Secretaria da Receita Federal disciplinará o disposto naquele artigo urge destacar que o poder de regulamentar os dispositivos legais não pode servir de atributo para que os atos administrativos, subalternos à Lei, instituam óbices ou impedimentos para o exercício das garantias tributárias dos contribuintes.

Assim, por todas estas razões conclui-se que a Instrução Normativa nº 517/05, ao atribuir à Secretaria da Receita Federal o direito de analisar previamente o crédito do contribuinte reconhecido por processo judicial, com a possibilidade concreta de indeferi-lo, sem oportunizar qualquer espécie de recurso ao contribuinte, implica em alterar o instituto da compensação tributária, tal como desenhado pela legislação ordinária, em flagrante ofensa à sistemática disposta no artigo 74, da Lei nº 9.430/96, com a redação que lhe deu a Lei nº 10.637/02.

Notas
(1) Com exceção dos casos em que a própria Lei considera não declarada a compensação, ex vi do artigo 74, § 12, da Lei nº 9.430/96.
(2) É que, tratando-se de extinção da obrigação sob condição resolutiva, a teor do disposto no artigo 127 do NCC, “se for resolutiva a condição, enquanto esta se não realizar, vigorará o negócio jurídico, podendo exercer-se desde a conclusão deste o direito por ele estabelecido.”