ISS – Sociedades de Profissionais – A cobrança indevida continua

Artigo da Dra. Tatianne Junco publicado na revista eletrônica “Tributario.net” no dia 10/03/2005 e na revista eletrônica “Fiscosoft” no dia 19/05/2005

Apesar de alguns Municípios terem alterado sua legislação, tal como São Paulo e Rio de Janeiro, há diversos outros que insistem em efetuar a cobrança do ISSQN das Prestadoras de Serviços Profissionais, tendo como base de cálculo o preço dos serviços prestados, perpetuando, assim, esta indevida cobrança.

Com efeito, padece de juridicidade a pretensão dos Municípios em cobrar o ISS sobre o preço dos serviços prestados pelas sociedades profissionais.

Estes Municípios pretendem fazer crer que os parágrafos 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/68 teriam sido revogados pela Lei Complementar nº 116/03. Reza o mencionado artigo 9º que:

“Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho. (…)

§ 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.”

Assim, conforme se depreende do citado artigo 9º, § 1º, quando os serviços forem prestados sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

Mais especificamente, estabelece o artigo 9º, § 3º, um rol de serviços que, ainda quando prestados pela pessoa jurídica, sociedade de profissionais, o imposto será calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade.

Os citados itens da lista anexa ao Decreto- Lei nº 406/68, dispostos no artigo 9º, § 3º, contemplam, respectivamente, os serviços prestados por médicos; enfermeiros, fonoaudiólogos, protéticos; médicos veterinários; serviços de contabilidade, auditoria, guarda-livros e congêneres; agentes de propriedade industrial; advogados; engenheiros, arquitetos, urbanistas, agrônomos; dentistas; economistas; e psicólogos.

Desta feita, a teor do que dispõe o citado artigo 9º, § 3º do Decreto-Lei nº 406/68 o ISSQN incidente sobre os serviços prestados pelas sociedades profissionais acima não serão calculados considerando-se a regra geral de base de cálculo, preço do serviço. Devem sim, ser tributados por valor fixo, com relação à cada um dos profissionais integrantes da sociedade.

Ocorre que vários Municípios, consoante aludido acima, pretendem cobrar o ISSQN destas sociedades com base no preço dos serviços prestados no mês, sob a alegação de que o artigo 9º, parágrafos 1º e 3º teriam sido revogados pela LC nº 116/2003.

Ocorre que analisando a Lei Complementar nº 116/03, em especial seu artigo 10, verifica-se a vontade inequívoca do legislador, no sentido de demonstrar quais normas anteriores teriam sido revogadas:

“Art 10. Ficam revogados os arts. 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei no 406, de 31 de dezembro de 1968; os incisos III, IV, V e VII do art. 3o do Decreto-Lei no 834, de 8 de setembro de 1969; a Lei Complementar no 22, de 9 de dezembro de 1974; a Lei no 7.192, de 5 de junho de 1984; a Lei Complementar no 56, de 15 de dezembro de 1987; e a Lei Complementar no 100, de 22 de dezembro de 1999.”

Conforme se vê, dentre elas, não encontramos o art. 9º. Assim, é válido afirmar que revogação expressa não ocorreu na espécie. Sobre o tema, deve ser lembrado que a Lei Complementar nº 95/98 que trata do Processo Legislativo estabelece, expressamente, que a cláusula de revogação deverá enumerar textualmente as leis ou disposições legais que pretende revogar. É o que diz o art. 9º da LC 95/98, alterado pela LC 107/2001, in verbis:

“Art. 9º A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas.”

Conclui-se portanto, que a LC nº 116/03 cumpriu o disposto no artigo 9º da LC nº 95/98, porquanto enumerou diversos dispositivos, expressamente, para o fim de revogá-los. Não o fez contudo em relação ao artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/68.

Entretanto, para que não restem dúvidas quanto à vigência do referido dispositivo, mister analisar se estaríamos diante de uma revogação tácita, a teor do que dispõe o artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil:

“Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”

Ora, não há qualquer disposição da LC nº 116/03 que seja incompatível com os parágrafos 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/68. Igualmente, nota-se que a LC nº 116/03 não regulou inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Exemplo disto é que deixou de tratar justamente da tributação dos serviços profissionais, mantendo, destarte as disposições do Decreto-Lei nº 406/68.

Sendo assim, não há que se falar em revogação expressa e nem sequer tácita dos parágrafos 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/68 pela LC nº 116/2003, permanecendo válida aquela forma de tributação.

Por fim, cumpre trazer à tona recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais(1), validando o entendimento ora exposto:

“Mandado de Segurança Preventivo – Direito Intertemporal – ISSQN – Artigo 9º, §3º, do Decreto Lei nº 406/98 – Revogação – Lei Complementar 116/03 – Inocorrência. O regime especial da tributação do valor do ISS devido pelas sociedades profissionais de que trata o §3º, do art. 9º do Decreto -Lei nº 406/68, continua em vigor, porquanto a Lei Complementar nº 116/03 não revogou o referido dispositivo legal.”

No mesmo sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul(2):

“Agravo Interno. Decisão de relator que nega seguimento a agravo de instrumento. Mandado de Segurança. direito tributário. Base de Cálculo do ISS. Sociedades Profissionais. Inviabilidade da cobrança fundamentada no preço dos serviços prestados. artigo 9º, parágrafo 3º do DL. n. 406/68. Jurisprudência desta corte a afastar a pretensão. Negativa de seguimento. Artigo 557, “caput”, do CPC. Esta corte, em casos análogos, tem manifestado o entendimento de que a cobrança do ISS, tendo como base de cálculo o preço do serviço (em se tratando de sociedades profissionais), se mostra em desconformidade com o que prevê o artigo 9º, parágrafo 3º do dec.-lei n. 406/68 (artigo este que não restou revogado pela LC n. 116/03), de maneira que, para efeitos de concessão de liminar em mandado de segurança, têm-se a relevância dos fundamentos e urgência, justificada esta na cobrança ilegal e abusiva de tributo, quando são conhecidas as dificuldades enfrentadas pelas partes ao pretenderem eventual repetição contra os entes públicos. Negativa de seguimento ao recurso que se impunha. Artigo 557, “caput” do CPC. Agravo interno improvido, por maioria.”

Restando demonstrada a vigência e a eficácia do artigo 9º, parágrafos 1º e 3º, do Decreto-Lei nº 406/68, as Sociedades de Profissionais das áreas citadas acima, estabelecidas em Municípios que pretendem cobrar o ISSQN, considerando-se o valor dos serviços prestados no mês, poderão ingressar em juízo objetivando elidir tal cobrança, com excelentes chances de êxito.

Notas
(1) TJ/MG. 6ª Câmara. Apelação Cível nº 1.701.04.065029-6/001, Des. Relator Edílson Fernandes.
(2) TJ/RJ. 21ª Câmara. Agravo de Instrumento nº 70009851056, Des. Relator Roberto Canibal.