O IRRF nos rendimentos de domiciliados no exterior e a cessão do crédito para empresa nacional

Artigo do Dr. Paulo Attie publicado nas revistas eletrônicas “Tributário.net” no dia 13/04/06, “Jus Navigandi” no dia 18/04/06, “Fiscosoft” no dia 04/07/06 e “Trinolex” no dia 10/07/06.

A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE – IRRF SOBRE OS RENDIMENTOS ATRIBUÍDOS A DOMICILIADOS NO EXTERIOR FRENTE A CESSÃO DO CRÉDITO, PELA EMPRESA ESTRANGEIRA, A EMPRESA NACIONAL.

Como se sabe, os rendimentos pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, por fonte situada no País, a pessoa jurídica domiciliada no exterior estão sujeitos à incidência do Imposto de Renda na Fonte – IRRF.

Resta saber, contudo, e é o que este artigo pretende analisar, se referido tributo deixará de incidir, ou seja, se terá sua incidência mutilada, caso a pessoa jurídica domiciliada no exterior ceda seu crédito para empresa sediada no Brasil, e esta aqui sediada, receba o numerário diretamente da fonte brasileira.

Pois bem, vejamos então o panorama normativo em questão. Dispõe o artigo 685, do RIR/99 (Decreto nº 3.000/99) que:

“Artigo 685. Os rendimentos, ganhos de capital e demais proventos pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, por fonte situada no País, a pessoa física ou jurídica residente no exterior, estão sujeitos à incidência na fonte: (…)”

Como se vê, o fato gerador do IRRF é o pagamento, crédito ou remessa de rendimentos, por fonte situada no país, para pessoa jurídica domiciliada no exterior.

Temos que a expressão “para pessoa jurídica domiciliada no exterior” não deve ser entendida literalmente, de modo que, caso esta pessoa jurídica domiciliada no exterior solicite que o pagamento seja efetuado para terceiro, em seu nome, não restará desconfigurada a hipótese tributária esculpida no dispositivo citado acima, ainda que este terceiro seja uma empresa sediada no Brasil.

Com efeito, o fato gerador do IRRF ocorre quando a fonte brasileira paga  obrigação assumida em face de pessoa jurídica domiciliada no exterior.

Nestes termos, a cessão do crédito, pela pessoa jurídica domiciliada no exterior para empresa sediada no Brasil, com o intuito de evitar a remessa propriamente dita, a nosso ver não elidirá a incidência do IRRF, senão vejamos.

Independentemente de não ocorrer remessa efetiva para a conta bancária da pessoa jurídica domiciliada no exterior, o fato do crédito ser cedido para terceiro, não lhe retira o caráter de rendimento produzido no Brasil por empresa situada no exterior.

Em outras palavras, pagamento é fato jurídico que tem o efeito de extinguir uma obrigação, portanto há pagamento da obrigação quer o numerário seja entregue ao seu beneficiário, quer este seja entregue diretamente a terceiro, porém, em nome do beneficiário.

A relação de direito privado que se extingue é a relação mantida com pessoa jurídica residente ou domiciliada no exterior. A hipótese de incidência eleita pela norma tributária é justamente a desincumbência desta obrigação assumida em face de empresa sediada no exterior.

É dizer, a fonte situada no Brasil não detém qualquer relação jurídica com o terceiro cessionário. Não há qualquer obrigação constituída entre eles que justifique um pagamento. A cessão do crédito pelo beneficiário estrangeiro é fato estranho à relação jurídica havida entre ele e a fonte situada no Brasil, que dá ensejo ao IRRF.

A decisão abaixo, ainda que a contrario sensu, também reflete o nosso entendimento sobre o tema, confira:

“Assunto: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte – IRRF
Ementa: RENDIMENTOS DE SERVIÇOS DE CONSULTORIA TÉCNICA PRESTADOS POR RESIDENTE OU DOMICILIADO NA FRANÇA A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO INTERNO.
Os rendimentos da prestação de serviços de assistência técnica no apoio, coordenação, gerenciamento, monitoramento e avaliação de programas governamentais de manutenção e pavimentação de rodovias, auferidos de fonte situada no País (autarquia estadual), por empresa domiciliada na França, sujeitam-se à tributação na fonte à alíquota de vinte e cinco por cento. A fonte pagadora está obrigada a efetuar a retenção do imposto no momento do pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa dos rendimentos, ainda que os recursos sejam depositados pela instituição financiadora do programa (BID/BIRD) diretamente em conta bancária do beneficiário no exterior. O recolhimento do imposto é obrigatório, mesmo que não tenha ocorrido a retenção. Quando a fonte tenha assumido o ônus do imposto devido pelo beneficiário, a importância paga, creditada, empregada, remetida ou entregue, será considerada líquida, cabendo o reajustamento do respectivo rendimento bruto, sobre o qual recairá o imposto. Em razão de o produto da arrecadação do imposto na fonte pertencer ao Estado, à esfera estadual compete disciplinar a forma de recolhimento aos seus cofres. ”[i] (g.n)

Enfim, a cessão do crédito é indiferente para o nascimento da obrigação de recolhimento do IRRF, vez que a entrega do numerário diretamente a terceiro, em nome da pessoa jurídica domiciliada no exterior, não desnatura a ocorrência do pagamento como forma de quitação da obrigação assumida pela fonte Brasileira para com aquela (cedente domiciliada no exterior).

Ricardo Mariz de Oliveira[ii], ao discorrer sobre o IRRF, pontuou:
“… A própria terminologia ‘retenção na fonte’ ou ‘desconto na fonte’ é expressiva da realidade de que o imposto somente se torna devido quando a fonte se desincumbe de sua obrigação de direito privado, mediante o pagamento ou crédito da renda ou do provento, de maneira a disponibilizar a renda ou o provento ao respectivo titular, quando então ela retém ou desconta do montante assim disponibilizado o valor devido.” (g.n.)

Note-se então que o IRRF nasce do fato da fonte brasileira ter se desincumbido da obrigação assumida para com a pessoa jurídica domiciliada no exterior.

A forma deste pagamento é desinteressante ao evento tributário. A incidência do imposto independe da forma de quitação da obrigação assumida perante empresa situada no exterior. A definição legal do fato gerador deve ser interpretada a partir da validade jurídica, do objeto e dos efeitos dos atos efetivamente praticados (CTN, art. 118, inciso I).

O que importa considerar é que, havendo a quitação, ainda por meio de pagamento a terceiro situado no Brasil, na qualidade de cessionário do crédito, esta em nada se difere da quitação pelo pagamento direto à fonte situada no exterior, de modo que, a teor do disposto no artigo 116, inciso I, do CTN, deverá ser considerado ocorrido o fato gerador.

Por consectário, somente após ter disponibilidade sobre o crédito é que o beneficiário situado no exterior poderá utilizá-lo, cedendo-o a terceiro, se for do seu interesse.

Ora, resta claro então que o fato da empresa estrangeira após ter a disponibilidade do crédito (e ai já ter incidido o IRRF), resolver cedê-lo a terceiro situado no Brasil, solicitando à fonte pagadora aqui situada que pague diretamente a este terceiro, não desconstituirá a incidência do referido imposto.

Em conclusão, com base nos argumentos sucintamente expostos neste artigo, acreditamos ter demonstrado que a cessão de crédito havido por empresa estrangeira, em face de fonte situada no Brasil, para terceiro também situado no Brasil não tem o poder de afastar a ocorrência do fato gerador do IRRF.

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[i] Vera Lúcia Ribeiro Conde – Chefe. Processo de Consulta nº 126/00. Data da Decisão 10.10.2000, DOU de 16.11.2000. Órgão: Superintendência Regional da Receita Federal – SRRF / 10a. Região Fiscal.
[ii] In “A sujeição passiva da fonte pagadora de rendimento, quanto ao imposto de renda devido na fonte”, RDDT 49/95.